Leandro Lo, o campeão que gostaríamos de ter celebrado em vida e não apenas após a morte

 

Hildegard Angel

No Brasil, o boxe não é nem era um esporte popular. Mas quando Eder Jofre ganhou o título de Campeão Mundial de Peso Galo, em 1962, virou celebridade nacional, e até hoje é lembrado e sua memória reverenciada. Quando Maria Esther Bueno ganhou o torneio de Wimbledon em 1959, a maior parte do povo brasileiro não jogava tênis, como ainda não joga, não conhecia o Torneio de Wimbledon, tampouco tinha viajado à Inglaterra. No entanto, Maria Esther Bueno se tornou ídolo nacional, sabia-se tudo sobre ela, e sua roupa de tenista era copiada e comentada. Naqueles tempos não havia redes sociais, assim como não havia grandes feitos brasileiros a divulgar e a se tornarem febre nacional. Isso explica o fato de termos passado a conhecer grandes fenômenos de nossas artes e esportes apenas após sua morte?

Por ordem, puxando pela memória, os Mamonas Assassinas surpreenderam um colosso de gente, que só tomou conhecimento de sua importância depois de a Globo mudar a programação por dois dias para chorar sua morte, sempre repetindo o mesmo vídeo dos Mamonas no Faustão. Ao que parece, não havia outra participação deles em programa da casa. Eram artistas importantes sem o reconhecimento daquele conglomerado de TVs, rádios, jornais, revistas e gravadora.

Mais recentemente, o mesmo ocorreu com Marília Mendonça, a sensacional cantora da sofrência, maravilhosa, e de quem o público fora do circuito sertanejo só ouviu falar após a tragédia aérea. O próprio Paulo Gustavo, que bombava no teatro, lotava auditórios, arrastava multidões para os cinemas, não alcançou o estrelato televisivo de outras celebridades. Sua morte foi uma comoção, multiplicou glórias e reconhecimento que poderiam ter havido antes.

As grandes corporações midiáticas promovem e incensam os artistas e atletas seus contratados, não os demais. Elas dominam o mercado com suas gravadoras, produtoras de cinema, tevês, rádios, imprensa. Quem não está nesse catálogo fica de fora, não participa dos shows de Roberto Carlos no fim de ano, não é mencionado nas novelas, muito menos desperta o interesse de seu jornalismo. Fato.

A Record também tem a sua bolha evangélica, e só joga para ela. Quem ainda escreve a história da fama nacional é a TV.

Vamos ao Leandro Lo. Um ídolo internacional, ícone mundial do jiu-jitsu. São impressionantes as manchetes no mundo inteiro lamentando sua morte trágica. Altos elogios e lamentos dramáticos contra a violência covarde de que foi vítima. No exterior acontecem vigílias de fãs, manifestações indignadas dos aficionados do esporte. No Brasil, o atleta brasileiro Leandro Lo foi praticamente uma novidade pós mortem.

Esperamos que a prerrogativa de proporcionar reconhecimento saia do âmbito apenas das emissoras douradas e platinadas e se espraie pelas outras mídias. Os influenciadores digitais que também têm o controle da opinião, que assumam o papel importante de repercutir quem de fato acontece, e não apenas reverberar os contratados por A, G ou R.

Numa busca no Google de registros da mídia brasileira sobre o super-campeão mundial Leandro Lo encontrei apenas 11 páginas, sendo que 10 com datas de a partir de seu assassinato. Lo era solenemente ignorado. Ao fim da 11ª página (incompleta) sobre o atleta no site de buscas, surge a observação:

In order to show you the most relevant results, we have omitted some entries very similar to the 102 already displayed.”

 Tradução: “Para mostrar os resultados mais relevantes, omitimos algumas entradas muito semelhantes às 102 já exibidas.”

Cento e duas matérias!  Nosso atleta fabuloso mereceu apenas 102 entradas relevantes para o Google.

Aos 14 anos, Leandro Lo recebeu a faixa preta. Aos 21, em 2011, já era campeão brasileiro de Jiu Jitsu sem quimono, e de novo em 2012. Naqueles dois anos foi também Campeão Brasileiro (CBJJ), feito que repetiu em 2017. Em 2011, 2013, 2014 e 2015, foi Campeão Mundial Abu Dhabi Pro (UAEJJF). Campeão Pan-americano (IBJJF) em 2012, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018. Campeão Europeu (IBJJF) em 2017. Em 2012, logrou seu primeiro Campeonato Mundial (IBJJF). Outros, em 2013, 2014, 2015, 2016, 2018 e 2019, 2022. Oito títulos sucessivos como Campeão Mundial!

Essa gloriosa carreira de sucessos no jiu-jitsu de Leandro representou vergonhosa carreira de vexames da mídia brasileira. Todo mundo sabe quem é ex-BBB, mas ninguém sabe quem foi Leando Lo. Só nos resta lamentar os títulos, que não festejamos, os campeonatos, que não acompanhamos, o ídolo, que não adoramos, ao tempo em que estava vivo para receber o calor de nossa gratidão e o afago de nosso reconhecimento.

A Bandeira do Brasil que nos orgulha é a que sobe ao pódio das vitórias suadas e corajosas de nossos atletas, artistas, empreendedores. Não aquela usada como foulard, no pescoço, pareô e camiseta de passeatas que empurraram nosso país para o desastre mais calamitoso de seu tempo.

Para esse quadro excludente, que favorece e contempla apenas  contratados e protegidos da mídia corporativa, há uma solução: uma regulação da mídia que não permita a criação de monopólios, verdadeiro garrote, que aperta, limita, restringe o reconhecimento de nossos valores nos mais variados campos da vida brasileira.

A propósito, Marielle Franco também se tornou conhecida apenas após sua morte.

Inauguração da Biblioteca Nélida Piñon, no Instituto Cervantes

Por Hildegard Angel (Coletivo Jornalistas Pela Democracia – Brasil 247)

Nélida Piñon aplaude o concerto da Jovem Camerata do Rio de Janeiro, na cerimônia de inauguração da Biblioteca Nélida Piñon, no Instituto Cervantes

Homenagem a Nélida Piñon de tal jeito formidável, que trouxe ao Rio de Janeiro, vindo de Brasília, o Embaixador Fernando Garcia Casas, da Espanha, e uma comitiva daquele país, incluindo entre outras personalidades o presidente dos 80 Institutos Cervantes de todo o mundo.

Presentes, nossas mais importantes instituições literárias, a Academia Brasileira de Letras, a Carioca de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico, o Pen Clube. Um buquê farto de imortais das Letras, a começar por Domício Proença, que saudou a homenageada, imortal nos quatro cantos do mundo, Nélida Piñon, brindada com biblioteca com seu nome, ocupando dois andares do Instituto Cervantes, em Botafogo. Lá está guardado todo o acervo de livros da escritora. Os livros escritos e os lidos (em torno de oito mil volumes), desde a primeira cartilha da infância ao grego Homero, da adolescência, com suas “Ilíada” e “Odisséia”, às obras completas de Cervantes, romancista que ela classificou como seu “preferido”, na entrevista concedida depois ao embaixador espanhol.

Ao presentear seus livros, Nélida doou o mapa de sua formação, suas influências,  a literatura que a formou escritora, mulher brasileira, também com a cidadania espanhola, não por tê-la pedido – “seria uma ousadia”, ela diz. Foi a Espanha que se ofertou a ela em reconhecimento ao seu talento e ao amor sempre demonstrado ao país. À Galícia de seus ancestrais.

Obras aconchegadas em prateleiras brancas e os livros raros com direito a vitrine, fechadura e chave. Com a mesma delicadeza com que Nélida trata e cultiva suas predileções, foi montada, no corredor da entrada, uma galeria de fotos a partir de seus avós e pais. A mãe, vestida com andorinhas em revoada. Baby Nélida. A adolescente, com cabelos à Jeanne D’Arc. E pequena amostra das suas consagrações: a entrega do Lazo de Dama, de Isabel La Católica, outorgado pelo Rei Juan Carlos, de Espanha, até seu registro vestida com pelerine de cetim azul claro, na solenidade do Honoris Causa conferido pela Universidade de Santiago de Compostela. Nélida foi a primeira mulher em 503 anos a receber o título.

A mostra fotográfica é apenas um ‘amuse bouche’ na lauta coleção de títulos, prêmios, troféus, homenagens à escritora publicada em mais de 30 países, com 25 obras escritas, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras. O vocabulário gastronômico harmoniza-se com a personalidade de Nélida, que, conforme revelou o embaixador, gosta de receber em sua casa com prodigalidade, influência da herança da Galícia, onde “em mesa farta, nunca falta”, lembrou García Casas.

Restrito grupo, 40 escolhidos com a pinça de seus afetos e das altas considerações. A primeira a chegar foi Fernanda Montenegro, com o rigor da atriz que jamais se atrasou em toda a carreira na cena. É amiga de Nélida de se falarem diariamente. Da ciência, Margareth Dalcomo. O intelectual do samba, Haroldo Costa, com Mary Marinho. Das artes plásticas, Gonçalo Ivo. Da museologia, Paulo Knaus. Da literatura, Sergio Fonta, Zuenir Ventura, Sergio Abranches, Ricardo Cravo Albim, Victorino Chermont de Miranda, Bia Corrêa do Lago, Claudio Aguiar. O diretor do Instituto Cervantes, Luís García Montero.

O escritor e acadêmico espanhol Antonio Maura, também diretor do Cervantes, abriu a cerimônia, saudou Nélida e anunciou a apresentação da Jovem Camerata do RJ, com músicos talentosos das comunidades cariocas, que breve irão se apresentar na Espanha e desfrutar de bolsas de estudos concedidas pelo Instituto. Encerraram o recital com Carinhoso – o carinho era a tônica da reunião. Gonçalo Ivo me cochichou: “São esses que reconstruirão o Brasil”.

O embaixador Garcia Casas saudou também a presença de Fernanda Montenegro e discorreu sobre os laços que ligam seu país a Nélida Piñon, primeira escritora de língua não espanhola a merecer homenagem como aquela prestada.

Juntei frases de seu discurso num só texto: “Nélida se vale do particular para escrever o universo. Escritora de altíssimos méritos, ela pensa o cotidiano, a condição humana, contribui para a construção maior da literatura brasileira. Escritora do Brasil e do mundo, no universo de Nélida a Espanha e o Brasil se irmanam. Uma das grandes escritoras universais contemporâneas, personalidade literária máxima da cultura da Galícia, de que é descendente. Nélida é fundamental. Lembro a emoção que senti ao ler seu “A República dos Sonhos”, o peso da imigração de Espanha no Brasil, obra em que analisava suas raízes do mundo universal. Os valores culturais que defendemos são muito bem encarnados por Nélida Piñon. O barco que trouxe sua família a esta “república dos sonhos” tem mais um prato aqui, no coração do Instituto Cervantes.”

Saí, pensando: “Que o barco Brasil volte em breve a ancorar na república dos nossos sonhos, pois a tripulação para conduzi-lo já temos: os jovens músicos das comunidades pobres, da Camerata, que mescla talentos, raças e um ardoroso desejo de superação.”

A ÚNICA FORMA DE O GOVERNO SOBREVIVER ÀS ELEIÇÕES É IMPEDIR QUE SE REALIZEM

Por Hildegard Angel (Do coletivo Jornalistas Pela Democracia / Brasil 247)

Como um cabo-de-guerra, o golpe se desenrola sob nossos olhos.

De um lado, os democratas agem como se houvesse normalidade. Lula faz campanha, divulga projeto, viaja pelo Brasil, entusiasma multidões, que cantam “lulalá” nas plateias dos shows da MPB. A mídia progressista produz incontáveis Lives e laudas diárias de análises por jornalistas e cientistas políticos críticos ao governo. Manifestos e abaixo-assinados circulam nos grupos de What’sApp, insaciáveis por assinaturas em condenação ao desgoverno.

Do outro lado, o Presidente da República atropela todas as fronteiras da legalidade, e faz campanha política irregularmente, abertamente, espetaculosamente, em motociatas pagas pelo povo, agredindo até as leis de trânsito, sem usar capacete. Ainda puxando o cabo-de-guerra para o lado da efetivação do golpe, instituições aparelhadas marcham de coturno rumo à tomada do poder, inventam conflitos, invertem regulamentos. General Ministro da Defesa obedece a capitão e Ministro da Justiça desautoriza tribunais superiores. Sem falar no caô da CPI da Petrobras. Nesse panelão fervente, o país é assado, cozido, desmembrado, para ser servido em grande banquete, enfeitado com azeitonas verde-oliva e com uma bomba-relógio na boca, com o sabor do novo golpe civil militar anunciado pelos militares para se estender até 2035.

O golpe civil militar de 1964 instalou-se, prometendo desmontar a barraca de sua tirania no ano seguinte, e durou 21 anos. Uma longa e tenebrosa noite escura pairou sobre o Brasil, sufocando o sonho sempre cultivado do brasileiro de encontrar “uma luz no fim do túnel”. Foram duas décadas vivendo no subterrâneo.

A grande mídia fomentou o golpe de 2016, demonizou a política, prestigiou a Lava Jato, nos impôs como correto um juiz parcial e despreparado, enalteceu a ainda enaltece a política econômica neoliberal selvagem de Paulo Guedes. Todas essas máscaras caíram, ao mesmo tempo em que eram retiradas as máscaras da Covid, deixando um lastro de 670 mil mortos, marca trágica da distopia brasileira.

Depois de toda a mistificação, a real face do horror se revela sem as “harmonizações faciais” promovidas pelas mídias platinadas. As bocas escancaradas da fome se arreganham, sem dentes e sem comida para mastigar. Os preços inviáveis do combustível paralisam a vida brasileira. Com o salário mínimo abaixo do mínimo, o povo também não consegue pagar as contas de água e energia. A repórter do telejornal chora ao vivo, enquanto cumpre a pauta da editoria de entrevistar famintos em restaurantes populares. As digitais da emissora estão nos pratos vazios e nas contas altas do fornecimento de serviços essenciais, cuja privatização ela tanta defendeu. As digitais dos farialimers, das lideranças empresariais, dos parlamentares indignos, todas lá, marcando os pratos rachados da pobreza. O país declina, desacelera, se deteriora.

É esse Brasil exaurido, de língua de fora, com o peso da inadimplência arqueando as costas da população, que assiste, sem entender direito, a direção perigosa que toma o trem de nossas vidas. Como nos filmes de ação, a locomotiva segue em alta velocidade, sem freios e sem condutor, rumo ao despenhadeiro, para nos afundar a todos debaixo do jugo de um governo ditatorial, incapaz, insensível e impiedoso. Nesse filme, não há dublês, nem há Tom Cruise, a Missão Impossível é nossa. O precipício está logo em frente. Quem avisa amiga é.

Também prossegue célere o plano de reduzir o Brasil à baixeza moral e intelectual, de normalizar as indignidades, e agora com mais um projeto para precarizar o ensino do ensino médio. Querem o brasileiro embrutecido e emburrecido, à sua imagem e semelhança.

O Brasil do mal radicaliza. Sabe que a única possibilidade para sobreviver às eleições é impedir que elas se realizem.

 

“Amigo secreto” deve ser visto, mesmo que nos custe enxergar

A Lição de Anatomia do Dr. Tulp – Rembrandt

A “Lição de anatomia”, de Rembrandt

Hildegard Angel

Não vá apenas de máscara, quando for assistir ao documentário “Amigo secreto”, de Maria Augusta Ramos, que estreia hoje. Leve um pregador para o nariz. O filme disseca o cadáver putrefato da Lava Jato, que também atuava como agência de notícias daquela Operação, distribuindo diariamente “press releases” para a grande mídia brasileira, que os publicava, irresponsavelmente, sem qualquer questionamento ou apuração.

Quando o filme terminar, e você retirar a máscara para tomar um sal de frutas, se dará conta que outras máscaras tombaram no desdobramento daquele caso: 1) as dos procuradores do MPF, cujo grupo no What’sApp se intitulava Amigo Secreto; 2) a  do ex-juiz e atual candidato a pré-candidato, Sergio Moro; 3) as dos desembargadores da 14ª Vara; 4) a da hoje desacreditada imprensa corporativa brasileira, cuja omissão impulsionou o crescimento da mídia progressista, que hoje a incomoda bastante.

Sem repetir as emoções e palpitações de seu premiado “O processo”, sobre o impeachment de Dilma, o novo documentário de Maria Augusta propõe o ritmo da paciência diligente de quatro jornalistas “perdigueiras”, no acompanhamento às pegadas encontradas pela Vaza Jato – série de reportagens do The Intercept, que revelou a indecência dos trapos da Lava Jato sob sua túnica de vestal imaculada.

A “Lição de Anatomia” de Maria Augusta Ramos

Em sua “Lição de anatomia”, a autopsia da ‘legista’ Maria Augusta Ramos se desdobra em cenas, revelando as tripas fétidas daquele período inquisitorial recente brasileiro (por isso recomendei o pregador no nariz). A sordidez das audiências de Moro, com o selo “Culpado” carimbado em Lula, antes mesmo de ele depor. O vazamento dos diálogos cafajestes e inadequados dos procuradores da LJ. O ridículo power point do primário Dallagnol (ou seria o primário power point do ridículo Dallagnol?) , arrancando gargalhadas da plateia na sala lotada do cinema Estação NetRio. A reunião do ministério do “Dom Corleonaro”, em nível de baixeza moral e verbal que nem Coppola igualou em sua série sobre a máfia. Com novas gargalhadas para as expressões de espanto do ministro da Saúde, Nelson Teich, ante as boiadas de Ricardo Salles, naquela reunião de 22 de abril de 2020, que envergonha a História da República do Brasil.

O documentário segue em ritmo de reflexão – não de palpitação – contextualizando o cotidiano de vida e trabalho das jornalistas envolvidas, ouvindo as revelações indecentes de personagens das “delações premiadas”, a interpretação dos fatos por grandes juristas brasileiros e as entrevistas dos jornalistas responsáveis pela Vaza Jato, Glenn Greenwald e Leandro Demori – palmas para eles!

Maria Augusta refaz a história. Lula na prisão; a vigília solidária e permanente de seus seguidores até o fim; a reviravolta do caso; a decisão do STF, proibindo prisão após 2ª Instância, que beneficiou Lula; a parcialidade de Moro, resultando na anulação do processo do tríplex pelo STF, e posteriormente dos demais processos contra o ex-presidente.

Documentando esse desdobramento, que insiste em continuar a se desdobrar, o filme da cineasta nos leva ao anticlímax, um estado de frustração, motivado pela realidade das imagens do vilão sênior, Moro, aplaudido, lançando-se candidato no Paraná, não se sabe ainda a quê, e do vilão master, Bolsonaro, falando a uma impressionante multidão de tresloucados seguidores, na Avenida Paulista, qual um pastor, levando seus fiéis fanáticos ao estado de exorcismo.

O bolsonarismo não é uma doença nem é uma torcida de futebol. É pior. É um credo, que propõe o fim da civilização e a apoteose da barbárie, recitado pelo Jim Jones de Rio das Pedras.

Infelizmente, é este o estado brasileiro em que nos encontramos, e que a nós mesmos cabe mudar.

“Amigo secreto” deve ser visto, mesmo que nos custe enxergar.

GOVERNANDO À BEIRA-MAR

Hildegard Angel

Esse episódio gravíssimo das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, do jornal britânico The Guardian, escancara a conivência, pra não dizer parceria, do governo brasileiro com o crime organizado. Não apenas nas ilegalidades praticadas na Floresta Amazônica, sob os olhos do Comando Militar. É como um rastilho de pólvora que poderá implodir o castelo de cartas marcadas.

Cartas marcadas com A, de avião presidencial, onde foi encontrada pela polícia da Espanha uma carga de 39 quilos de cocaína. Com B, não preciso dizer de quem. Com C, do cinismo da vista grossa da mídia e das principais instituições do país.

Pulando para o F, da fakeada, caso em que a mídia insistiu em não se aprofundar, e até em ignorar investigações de colegas da mídia independente, como o vídeo incontestável do jornalista Joaquim de Carvalho, produzido pelo Brasil 247.

Chegando ao R, das Rachadinhas. Documentadas, evidenciadas, provadas, elas foram arquivadas na pasta “Vai ficar por isso mesmo”, com as bênçãos da PF, da PGR, da AGU e mais todos os órgãos de investigação e controle do país, todos devidamente aparelhados.

Tem a carta marcada com Q, de queimadas, a carta com I, de invasões, a com C, P e I, de CPI da Covid, que em nada resultou, tem as cartas B, N, D, E e S, de BNDES, emprestando montanhas de dinheiro para certa empresa 17 (OneSeven) adubar com centenas de milhões shows de sertanojos.

As cartas F e N, de Fake News, o Ás que esse governo charlatão tirou da manga para dar o strike na eleição de 2018, e quer dar de novo em 2022.

Os olhos de toda a mídia, de todos os governos e povos do mundo estão neste momento fixos na Amazônia. Com o risco de, se olharem direito e ampliarem o foco, perceberem que este governo parece ter sido idealizado por um mestre do crime, com a genialidade de um Al Capone ou de um Beira-Mar, com F, de Fernandinho.

 

 

 

 

Heloísa Aleixo Lustosa

Igreja São José plena de emoção e sentimento, na tarde deste domingo, 12 de junho, na Missa de Sétimo Dia de Heloísa Aleixo Lustosa. A museóloga importante, presidente da Academia Brasileira de Arte, mulher que muito fez pela nossa Cultura, tendo ocupado o Conselho Federal de Cultura e o Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.

Católica fervorosa, Heloísa morreu num Domingo de Pentecostes, data que celebra a descida do Espírito Santo sobre Maria e os 12 Apóstolos de Cristo.

Heloísa dirigiu o MAM – RJ na emblemática década de sua história, os anos 70. Com uma visão ampla sobre a cultura, uma notável percepção das necessidades do momento, ela abriu o MAM num grande abraço terno sobre outros segmentos artísticos além das artes plásticas. Na sua gestão foi criado o grupo Comunidade, por Amir Haddad, com a montagem do espetáculo A Construção, marco do teatro brasileiro. Heloisa impulsionou e prestigiou a Cinemateca do MAM, sempre enfrentando dificuldade até então. Heloísa conseguiu restaurar os jardins de Burle Marx no entorno do museu. O MAM virou um point da cultura brasileira, seu vão central fervilhava com performances, apresentações musicais. O coração da cultura era o MAM-RJ. Até que houve o famigerado incêndio, com as línguas de fogo lambendo parte importante do acervo.

Heloísa era a única mulher da diretoria. Não foi difícil imputarem a ela uma responsabilidade que não era de sua alçada, era de um nível superior da gestão, de conservação e prevenção de incêndio do prédio. Ela se manteve altiva, sob o injusto tiroteio. Até Niomar Moniz Sodré, sua amiga, e uma espécie de Eminência Parda do MAM, voltou-se contra ela. Tempos depois, assim como Niomar, os que acusaram Heloísa reconheceram seu equívoco.

Mas a vida lhe deu nova oportunidade de provar sua competência e brilhar, quando assumiu a direção do magnífico Museu Nacional de Belas Artes, com um acervo que o ombreava aos grandes museus do mundo. Com o prédio em péssimo estado, depois de servir até como repartição pública, como sede da Funarj, com divisórias improvisadas de Eucatex e gambiarras em todas as direções, Heloísa, sem grandes recursos, foi reformando, restaurando e adequando o museu em etapas. Multiplicou por quatro sua área expositiva. Criou o andar da Arte Contemporânea. Criou a Galeria dos Impressionistas. O Museu do Inconsciente. O Pátio Lily e Roberto Marinho. Renovou toda a elétrica. Fez um estudo de cores setorizando as diferentes salas, galerias e alas, com um resultado de grande harmonia. Promoveu encontros, seminários. Além de exposições que revolucionaram a própria cultura brasileira. A mostra Rodin alcançou o maior numero de visitantes no ranking nacional dos museus. A mostra Monet repetiu o feito. Os reis de Espanha vieram para abrir a mostra Grandes de Espanha. O MNBA foi o primeiro a se abrir para exposições de moda, com a História dos Sutiãs, e depois com a exposição “A força do Anjo – Zuzu Angel”, na Galeria Bernardelli, como prévia do primeiro Museu da Moda do Brasil, que seria nas cúpulas do Museu, não fosse o obste do IPHAN.

Depois de Heloísa Lustosa, o MNBA nunca mais conseguiu o mesmo status de prestígio e a mesma grande frequência.

Atualmente, Heloísa Aleixo Lustosa presidia a Academia Brasileira de Arte, fundada em 1942, tendo como secretário-geral Victorino Chermont de Miranda e, entre seus membros, Anna Bella Geiger, Eduardo SuedLuiz Aquila, Marlos Nobre, Nathalia Tinberg, Nélida Piñon, Ziraldo, Turibio Santos, Marcos Azambuja e outros nomes notáveis da cultura brasileira.

Heloísa está na foto com a filha Solange, posando em 1974 com a coleção “Mãe e Filha”,  de Zuzu Angel, que ela prestigiou, criando, na Academia Brasileira de Arte, a cadeira Zuzu Angel, que tenho o privilégio de ocupar. 

Dia dos Namorados

 .🌹
Hildegard Angel
Sou namorada incurável do Brasil. Romântica, sonhadora, embriagada de amor por essa Nação maltratada, mal orientada, que se dá ao capricho de demolir pedra por pedra um líder de tal estatura e grandeza, como foi Leonel Brizola.
Olhando para trás, para o ano 1983 de seu primeiro mandato como governador do Rio de Janeiro, imagino o que seríamos hoje depois de 50 anos, com cinco gerações de brasileiros bem alimentados nos CIEPS, instruídos e encaminhados para suas profissões.
Cinco gerações afastadas dos sinais de trânsito, dos arrastões, da possibilidade de servir como aviões do tráfico ou de se submeterem aos caprichos de milicianos.
Cinco gerações de brasileiros produtivos e bem formados. Um outro povo, um outro país, um outro futuro.
Temos, contudo, caminhado obedientemente, cabeças baixas, rumo ao cadafalso de um destino determinado pela nossa elite dominante e pela mídia gananciosa, inconsequente, alheia aos interesses dos pequenos, grande maioria do povo brasileiro.
Essa gente é como erva daninha implacável, que com seus golpes sucessivos impede o jardim Brasil de florescer. Porém, como disse o profeta, “os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas. Mas jamais conseguirão deter a chegada da primavera”.
Em outubro será plena estação da primavera no Brasil. No dia 2, teremos a oportunidade de iniciar a demolição do Teto de gastos, que sufoca o jardim Brasil, impede as flores, os risos, a felicidade, impede a brisa, a chuva, a luz do sol.
Vamos fazer juntos, nas urnas, a fotossíntese rumo à luz. Vamos arrancar as folhas de zinco, que toldam nossas esperanças, colocadas sobre nós pela ganância do mercado financeiro, do neoliberalismo, dos vendilhões da Pátria, daqueles que visam encher o próprio bolso com o fruto de nossos esforços. Que se julgam donos únicos do Brasil, ungidos por força maior.
Mas somos um povo de fato tão abençoado que, morre uma rosa, florescem outras.
Em 2 de outubro vamos votar na rosa vermelha. Vamos votar na esperança, com a certeza da competência de quem já fez muito pelo Brasil. Vamos apertar 13, votar em Lula, o profeta da primavera.
#lula13 #brizola
🌹

O CORONEL E O LOBISOMEM

Hildegard Angel (Via Brasil 247 / Jornalistas Pela Democracia)

@marcelopjs, perfil do Twitter, é um Coronel da reserva do Exército Brasileiro, cumprindo a patriótica missão de denunciar a existência de um Lobisomem: o projeto dos militares de captura do poder, não através das armas, mas de escaramuças políticas – e já capturaram.

Esse projeto é o “Partido Militar”, idealizador e principal responsável pela entronização de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em 2019. Um plano tão bem engendrado, que sequer o “quartel general” da campanha do candidato em 2018, em casa do empresário Paulo Marinho, sabia dele. Assim como não sabia do ativo gabinete das fake “News”, para multiplicar eleitores através do medo, capitaneado pelos irmãos Eduardo e Carlos Bolsonaro, sob a inspiração do notório Steve Bannon.

Entrincheirados no silêncio, os militares teriam orientado, treinado, dado corda em Bolsonaro, como a um boneco de plástico, e o manipulado, como a um boneco de luva, mais conhecido como fantoche, continuando a puxar os cordões da marionete Presidente do Brasil.

Quando Bolsonaro afronta a mídia, o STF e demais instituições brasileiras não o faz, pois, de sua cabeça pensada, onde pensamentos não residem. Ele o faz de cabeça mandada e obediente, batendo continência, seguindo orientações, cujo claro objetivo é perturbar a ordem, desmoralizar os poderes, gerar ambiente de desassossego institucional propício a uma “providencial” intervenção das Forças Armadas, atendendo ao “clamor” da mídia e das massas.

Lendo o revelado plano militar para manter as rédeas do poder até 2035 é possível identificar objetivos já em curso. Um deles, o combate à Cultura, identificada como agente necrosador dos valores da sociedade “de bem”. Em andamento, a meta de alcançar o poder pelas eleições, mesmo que para isso se infrinja o Código da Ética Militar, cujo Artigo 28, no item XVII, impõe, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, o preceito ético “abster-se de fazer uso do posto ou da graduação em atividades político-partidárias”. Contudo, candidatos ao parlamento se intitulam capitão-sei-lá-o-quê, general não-sei-das-quantas, cabos, soldados, coronéis, sargentos,  nadando na mesma onda, que se pretende um arrasador tsunami.

O boneco de ventríloquo talvez cultive ilusões de ser mantido no papel de “laranja” dos verde-oliva, após a suposta radicalização das FA a ocorrer “a pedidos”. Porém, seu magistral desempenho no papel de Pateta, uma vocação natural, o levará ao descarte, sem grandes cerimônias, choro nem vela. Daí a inquietude, o desespero, o acesso de raiva desta semana, cronometrado em 30 minutos pelas “fontes” da grande imprensa.

O lamentável é que, por trás do projeto de poder fardado, estariam não as necessidades brasileiras mas vantagens financeiras pessoais, conforme se depreende, acompanhando o perfil do militar @marcelopjs no Twitter.

Abaixo, sequência de 24 tuítes de Marcelo Pimentel a propósito de notícia de Ancelmo.Com sobre o livro “Sem máscara”, do jornalista Guilherme Amado.

“1

Livro mente, desinforma e mitifica.

O jornalista q o escreveu parece ser um dos auxiliares do Partido Militar na NARRATIVA DOMINANTE que lhes convém.

Vou mostrar.

2

Antes de tudo, o general (AMAN 76) é amigo de Bolsonaro desde AMAN (o capitão é de 77), serviram juntos na Brigada Paraquedista e conviveram no Congresso quando o general foi assessor parlamentar do EB.

3

Seu 1° cargo de general (promovido em 2007) foi de Comandante da Brigada Paraquedista (a do “Brasil acima de tudo”).

Enfiou o colega no “palanque” real e virtual da brigada em solenidades e eventos, começando o processo de sua conversão de ESTORVO em MITO dentro do EB.

4

Integrante do Alto Comando do Exército de 2014 a 2018 idealizou e incentivou candidatura presidencial do colega Bolsonaro e contribuiu p/criar poderosos mecanismos de associação da candidatura à imagem das Forças Armadas, Exército em particular:

5

– Comandante Militar do Leste (CML) entre 2015 e 2016, enfiou o colega deputado na AMAN – subordinada ao CML – para fazer política eleitoral.

Foi lá, diante de cadetes, q o deputado lançou a candidatura presidencial…

6

…do Partido Militar, tendo a si mesmo como cabeça de chapa. Isto é uma aberração muito grande para a sociedade desprezar…até hoje. Ali está o marco visível disso q temos hoje.

Ali estão as digitais do general mencionado; e youtu.be/MW8ME9S87SI

7

– Chefe do Estado-Maior do Exército de 2016 a 2018, sucedendo o gen Etchegoyen, q abandonou o posto para integrar a vanguarda do Partido Militar no governo Temer, foi um dos IDEALIZADORES e REALIZADORES: da militarização do Ministério da Defesa (tanto c/o fantoche Jungmann…

8

…quanto com o colega Silva e Luna); da intervenção militar no Rio de Janeiro em 2018 (sob controle de seu sucessor no CML – Braga Netto) q colou a imagem do EB na chapa militar já integrada por seu colega Mourão (AMAN 75); dos tweets do Villas Bôas em abril de 2018; e

9

…do monitoramento do STF, exercendo o INÉDITO cargo de assessor do Presidente da corte, o “fraco” Dias Toffoli, durante toda a campanha eleitoral, algo q poderia repetir em 2022, já q fora convidado (depois de 3 meses recusou) p/ser “simplesmente” o diretor-geral do TSE.

10

Foi nessa época que, “do nada”, em plena campanha eleitoral de uma chapa composta de militares idólatras da Ditadura e de torturadores, o presidente do STF veio com a história de que o Golpe não foi golpe, mas um “movimento”.

11

Ainda estava no Alto Comando do Exército quando o brado oficial da Brigada de Infantaria Paraquedista (q comandara em 2007/8), sem qualquer objeção do Comando, virava slogan eleitoral oficial da chapa vitoriosa em 2018.

12

Vitoriosa a chapa militar, o general, como todo correligionário que ajuda decisivamente na eleição, ganhou o cargo de Ministro da Defesa, de onde promoveu, por AÇÃO deliberada e OMISSÃO disfarçada, a MILITARIZAÇÃO do GOVERNO e a consolidação da do próprio Ministério.

13

Partiu dele a ideia e/ou a AUTORIZAÇÃO e CONSENTIMENTO para que GENERAIS e ALMIRANTES na ATIVA exercessem cargos eminentemente POLÍTICOS no governo (algo absolutamente incompatível, impróprio e insensato) :

14

– Gen Div Rego Barros (AMAN 81) q, de porta-voz do EB, virou, do dia pra noite, porta-voz de um presidente q mente (exerceu o cargo por um ano e meio);

15

– Gen Ex Ramos (AMAN 79) q, de Comandante Militar do Sudeste, virou, do dia pra noite, Min da Secretaria de Governo (SEGOV), “simplesmente” o interlocutor político do gov c/o Congresso. Foi o articulador do orçamento secreto e da eleição de Artur Lira e Rodrigo Pacheco.

16

– Almte Bento Albuquerque, Min das Minas e Energia;

– Almte Flávio Rocha, Secretário de Assuntos Estratégicos;

– Gen Ex Braga Netto (AMAN 78) q, de Chefe do Estado-Maior do Exército, virou, do dia pra noite, Min da Casa Civil; e

17

– Gen Div Pazuello (AMAN 84) q, de Comandante da 12ª Região Militar, virou, do dia p/ noite, Min da Saúde em plena pandemia (“sem nem saber o q era SUS”).

Fico por aqui nos generais da ATIVA (há muitos mais) q foram parar no gov por obra, graça ou omissão do gen Fernando.

18

Foi ele, também, que reforçou a história do “movimento de 64”, expedindo ordens do dia laudatórias ao regime, como esta de 2020.

Foi ele que deu ordem pra os laboratórios das Forças Armadas fabricarem toneladas de cloroquina pra COVID.

19

Pelos contatos que tinha com o STF desde a época em que foi “assessor do presidente”, provavelmente soube antes de todos que haveria uma CPI da COVID (foi o ministro Barroso quem decidiu pela CPI e, “coincidentemente”, lhe convidou pra diretor-geral do TSE após a CPI).

20

Como a CPI da COVID poderia desmascarar que a MILITARIZAÇÃO do Ministério da Saúde foi promovida por ele e pelo então comandante do Exército (AMAN 77, mesma turma do presidente), provavelmente INVENTOU o episódio da DEMISSÃO coletiva da cúpula de defesa por…

21

…alegadas tentativas do presidente em “interferir” e “politizar” nas/as Forças Armadas, quando foram suas cúpulas hierárquicas, não o capitão, que promoveram esse espetáculo de anacronismo, impropriedade e insensatez!

22

O general, além de tudo, passou 2 anos assistindo e incentivando o presidente fazer o teatro do golpe, até com visitas ao QGEx para participar de manifestações pelo AI-5 (2020). Esteve presente na reunião escatológica de 22 de abril de 2020…

23

Em março de 2021, às vésperas da CPI, lançou um monte de “flares” e fez a manobra evasiva.

Contou e conta c/o apoio imprescindível do jornalismo vendido, ingênuo ou incompetente.

As NARRATIVAS DOMINANTES do Partido Militar contaram/contam, parece, com ajuda de G. Amado.

24

Provavelmente vc ñ lerá nada disso no livro do jornalista.

Lá só deve haver “flares”!

O avião, depois de atingir seus primeiros objetivos (chegar ao poder e aparelhar o governo e o Estado), voa em céu de brigadeiro rumo aos próximos objetivos: manter-se no poder até 2035.

Fim”

 

 

 

Fui a uma festa no Céu, comemorar os 40 anos do Paraíso, o Kurotel

Neuza e Luís Carlos Silveira, com as filhas Rochelle, Mariella, Bárbara e Evelise – a Família Kurotel, o Kur,  como é carinhosamente chamado pelos
habitués, que pelo menos uma ou duas vezes por ano sobem a Serra gaúcha em busca da medicina preventiva, que garante longevidade com saúde; novas técnicas e métodos medicinais, unindo o  “human touch” ao
“high tech”, isto é, alta tecnologia, mas humanizada.

Comecei a ir ao Kurotel, quando era chamado apenas de Kur. Calculo em torno de 15 ou 20 anos atrás. Achava o nome estranho, desconhecendo ser a palavra, em alemão, para cura. Instalado na inspiradora cidade de Gramado, uma joia germânica incrustada na Serra gaúcha, o Kur me pareceu ter sido transplantado ali, trazido diretamente da Floresta Negra. Um terreno cheio de pinheiros, jardins floridos abraçando o prédio, funcionários vestidos pelo maior estilista do Sul do país, Ruy Spohr, que desenvolveu uma coleção para toda a equipe do hotel-spa-clínica, que de tempos em tempos era atualizada com pequenas mudanças, mas mantendo o espírito original.

Era como se todos os trabalhadores, pessoal da portaria, do escritório, garçons, cozinheiras, jardineiros, arrumadeiras, massagistas, esteticistas, instrutores físicos integrassem o elenco de uma megaprodução do cinema musicado, “A Família Trapp”, que aqui levou o nome de “Música divina música”. As mulheres, independendo da função exercida, eram lindas frauleins louras, de olhos azuis, altas, e de coque na nuca preso com um laço preto. Arrumadeiras com vestidos de mangas longas e bufantes de algodão, bainha abaixo dos joelhos, tecido quadriculadinho ou listrado, e sobre eles o avental branco de fustão engomado, um palmo mais curto do que o vestido, com faixas que se cruzavam, fazendo um X nas costas,  terminando com um laço na cintura, e a necessária touquinha. Meias brancas e sapatos brancos. Dava vontade de ter roupa igual. Pela minha formação de filha de estilista, sempre presto grande atenção aos figurinos.

Mas havia outros itens que se destacavam: a cortesia, a educação de todos, que sempre diziam bom dia ou boa tarde àqueles com que cruzassem pelos corredores, a voz baixa, jamais alterada, a seriedade com que exerciam suas funções, a eficiência, a preocupação com cada um dos hóspedes, individualmente, não como membro de um grupo. Sabiam nossos nomes, e respeitosamente me chamavam de “dona Hilde”. Nos quartos, os roupões brancos, com escudo dourado do Kur, sempre limpos, dobrados e amarrados com uma fita de gorgorão, o chinelinho atoalhado do Kur. As sacolas de lona com nossos nomes, eram acessório obrigatório o dia inteiro, no cumprimento da agenda de tratamentos clínicos, físicos, anti-estresse, exercícios, dança, meditação, yoga, aparelhos de musculação, hidroginástica, exames clínicos moderníssimos, as massagens estéticas, consultas com psicólogo, cardiologista, nutricionista, a enfermagem, para pesar, medir, tirar pressão, as refeições no restaurante, os lanches. E a sacolinha junto, levando a agenda impressa, roupas para trocar, entre uma e outra atividades, dispensando as idas e vindas ao quarto. Eu já havia frequentado spas, mas nada que de longe se parecesse com tal profissionalismo médico e técnico, junto com a excelência de uma hotelaria cinco estrelas.

Somos brasileiros. Estamos acostumados a ver estabelecimentos incialmente ótimos irem declinando, piorando, precarizando seus serviços e produtos, até fechar. Sempre o mesmo ciclo. Com o Kur, no entanto, constato o oposto. A empresa vai se aprimorando e adequando a cada tempo. Hoje, as funcionárias não são frauleins. São brasileiras de várias partes, e os cabelos, assim como os olhos, variam de cor e de penteado. O coque na nuca ficou no passado. E os hóspedes são tratados de modo mais moderno e casual. Deixei de ser “dona”, passei a ser “Hilde” para todos. Permanecem, contudo – e ainda bem – os inspirados figurinos de Ruy Spohr, que enquanto vivo realizou as adaptações necessárias aos originais, e continuam a ser atualizados pela família Kur, os Silveira.

O que mais muda são os cardápios e as dietas, já que na ciência nutricional são frequentes as novas descobertas e mudanças de orientação. Também afinado com as inovações da ciência, o Kurotel tem agora um setor de genética, nesses tempos em que se pode antecipar diagnósticos a partir da leitura do DNA.

O Kur foi fundado há 40 anos pelo casal Luiz Carlos e Neuza Silveira, no mesmo local. Ele, quando chegou a Gramado em 1971, era o único médico da região. Atendia no consultório, em domicílio, no hospital, todos os tipos de casos, e até parto realizava. Não cobrava no fim dos atendimentos, deixava a missão para uma secretária, que anotava num caderno preto cada procedimento, e depois realizava as cobranças. Não era incomum pacientes se esquecerem de pagar, mas essa era a prática do médico, que priorizava a relação de confiança com os pacientes. Como efeito, defrontou-se com todo o tipo de excentricidade. Como o parto de uma cigana, que, quando o marido ouviu da secretária do doutor que tinha um débito a saldar, propôs uma troca do parto por bacias de cobre, que fabricava. As bacias do cigano eram de lata esmaltada para parecer cobre, como é prática, aliás. Dr. Luiz Carlos preferiu deixar o débito para ser pago um dia qualquer, “na bacia das almas”. E lá está o calote pendurado, entre vários outros, na sua biografia de homem que não sabia cobrar dos desfavorecidos.

Os menos favorecidos, obviamente, não frequentam o Kurotel, luxo possível para quem tem recursos e para quem tem consciência de que nosso maior bem a preservar somos nós mesmos, nosso corpo, nossa mente, nosso espírito. Um spa-clínica completo era um sonho acalentado por Luiz Carlos, desde sempre. Neuza, com formação em assistência social e grande administradora, aliou-se ao marido no projeto, e juntos abriram as portas do Kur, todo lindo e equipado, num dia 26 de março de 1982. Abriram e esperaram os clientes. Não veio nenhum. Na primeira semana, na segunda…

Mas pouco a pouco vieram os primeiros clientes, e os próximos, e os demais, tornando-se o Kur um sucesso, referência de Gramado, e ouso dizer um agente impulsionador da cidade. Logo, a hotelaria local passava a se espelhar nos cuidados e requintes do Kur, e também no seu pessoal treinadíssimo. Volta e meia, “roubavam” um funcionário, o que não abalava o empreendimento, que foi projetado já com a previsão de que isso aconteceria. Novos funcionários, massagistas, esteticistas, fisioterapeutas etc. eram formados, e o mercado de trabalho da região se enriquecia com a mão-de-obra altamente especializada e sofisticada. Foi a empresa certa na cidade certa.

Logo, a imprensa se interessaria em conhecer e mostrar o Kur. Foram e são quilômetros e quilômetros de reportagens, fotos, vídeos, entrevistas, capas de revistas, notinhas e colunas sociais, matérias em revistas de saúde, beleza e bem-estar. O Kur tornou-se uma estrela tão fulgurante quanto algumas de suas primeiras clientes e adeptas. A saber: Tônia Carrero (a primeira a me falar a respeito, e insistir que eu fosse ao Kur), Glória Menezes (logo depois), Fafá de Belém e outras centenas mais. Fernanda Montenegro me disse que foi duas vezes ao Kur, sempre apresentando temporadas teatrais em Porto Alegre para esticar até Gramado. E querendo voltar.

Minha primeira vez no Kur não esqueço. Foi com as amigas Consuelo Pereira de Almeida e Déa Bornhausen, então primeira-dama de Santa Catarina. Como nos divertimos! Entre papos, massagens, aulas de hidro em piscina coberta ou tomando sol na piscina descoberta. Essa mágica da interação entre as pessoas ocorre com todos, mesmo os mais reservados. O fato de se passar o dia todo, de lá pra cá, de roupão, cabelos molhados, sem afetações, vai tornando as pessoas mais francas e comunicativas, como se retirassem sua capa protetora. E logo estão confraternizando nas mesas redondas de café da manhã, almoço, jantar, abrindo o coração, fazendo relatos de vida. Recém-conhecidos se tornam amigos para a vida inteira. Fiz alguns, acreditem.

Luiz Carlos e Neuza tiveram quatro filhas, hoje já adultas. Elas cresceram frequentando o Kur, conhecendo todos os setores dessa máquina de perfeita operação. Não digo máquina bem azeitada, pois nas refeições do Kurotel azeite não pode. Todas as irmãs participam da empresa. Bárbara é do Conselho. Mariella cursou medicina e assumiu a direção médica. Evelise, também médica, é geriatra, e divide com Rochelle, formada em Administração, e Diretora Administrativa, a gestão do Kurotel. Luiz Carlos e Neuza presidem o Conselho e se mantêm numa supervisão de todos os setores.

As quatro filhas se casaram. Fui ao casamento de duas. Dos mais bonitos e criativos a que já compareci. Os netos já são 10. E para comemorar os 40 anos da vida empresarial, afetiva e familiar bem sucedida, depois do jantar festivo no Kur com amigos e clientes, os Silveira foram todos, com filhas, genros e netos, para uma temporada no chamado “único resort cinco diamantes do mundo”. O Xcaret, no México. Eu já os imagino  observando o funcionamento do hotel e parque lúdico mexicano, com direito a zoo. Devem estar vendo, comparando, criticando e colecionando ideias, se houver. O profissional que ama o que faz sempre colhe referências onde vai.

A minha vida, nos últimos quase 20 anos, esteve ligada ao Kur. Não só pela admiração que desenvolvi por essa família única, como também pelo produto que oferecem. A cada vez eu me renovo, aprendo e meu organismo inteiro agradece. Quando Neuza me telefonou para convidar para a comemoração dos 40 anos, dei uma olhada no espelho e constatei como o isolamento da pandemia havia maltratado meu corpo, meu rosto, minha mente, minha saúde. Eu precisava de uma revisão geral urgente. Entrar naquelas máquinas de imagem que nos passam a limpo. Foram 17 dias concentrada exclusivamente em mim, desligada de tudo. Bem, de quase tudo. Faço com gosto e por emergência cívica.

Neuza e Luís Carlos Silveira, na festa dos 40 anos do Kur, inauguraram um Memorial que conta toda a sua História magnífica

Um livro de receitas com os 40 pratos de mais sucesso do spa, q inauguração do Memorial Kur, contando sua história em forma de arte, exposição e tecnologia foram parte das comemorações, assim como nova exposição da
Galeria de Arte Mamute, que fica dentro do Kurotel, focada no ser humano; novo
vídeo institucional e o lançamento de um roupão com releitura do logo assinado pelo
estilista Amir Slama

No avião de volta, depois de duas horas descendo de carro a serra de Gramado a Porto Alegre, vim lembrando o jantar dos 40 anos, seus pratos com requintes e aparência da melhor culinária francesa, mas sem engordar 1 grama. E a delicadeza de a louça do prato principal vir com o nome, inscrito na borda, de cada um dos 50 ou 60 comensais daquela noite feliz e mágica, que celebrava não só o 40º aniversário de uma empresa vitoriosa, mas a certeza de que o Brasil consegue  produzir qualidade, obtendo todas as premiações internacionais possíveis, quase sempre no topo das classificações; que o Brasil sabe formar mão de obra refinada para o mais exigente consumidor; que o Brasil, com todas as dificuldades criadas por entraves e burocracias, é capaz de dar continuidade a um projeto de tal forma importante, a pesquisas sobre longevidade e prevenção que poucos grandes centros internacionais médicos e de pesquisa científica desenvolvem.

Parabéns, família Kur, os Silveira e todos os demais, parabéns àqueles hóspedes que há décadas encontraram e percorrem repetidamente o caminho rumo a esse paraíso.

Vou repetir aqui a abertura da primeira matéria que escrevi sobre o Kur: “Quando chegar ao Céu e São Pedro vier me perguntar se quero conhecer o Paraíso, direi: o Paraíso eu já conheço, pois estive no Kur”.

Noite da festa dos 40 anos, que consistiu na inauguração do Memorial, em show musical, coquetel regado a champagne Kur, zero álcool e zero açúcar, discursos afetivos, amigos e mais amigos, e um jantar com as receitas de excelência do Kur. Aqui estamos, eu e Francis Bogossian, meu marido, Luís Carlos e Neuza Silveira, também celebrando nossas décadas de amizade e fidelidade (nossa) a esse projeto.

E temperando com pimenta e sal o debate de com açúcar, com afeto

Hildegard Angel

Sem açúcar e sem afeto, a polêmica rolou com fôlego nas últimas semanas. Os humores exaltados se deviam à ideia logo formada de que Chico Buarque de Holanda deixara de cantar uma de suas mais belas canções para atender a imposições das feministas, que consideram inadequada a letra de “Com Açúcar, com afeto”

E Chico calado, olhando de longe o debate acalorado. Surpreso com a multidão de ‘advogados do Chico’, safra e tanto, que brotavam no solo fértil da Internet, tomando partido a favor ou contra, não mais da letra da canção, mas das pautas identitárias, apontadas como o xis do problema.

Polêmica absurda, assim pensou o Chico, supondo que toda aquela energia seria melhor aproveitada se assistissem ao especial ótimo sobre Nara Leão na Globoplay, em vez de alimentar um debate que foge do contexto. E não é só porque Chico já não cantava essa música há anos, é que também há 30 anos ninguém pedia que cantasse, conforme ele próprio explica, e por quê? Porque não vê sentido para esses tempos, porque decidiu não cantar, porque é assim com todos os artistas diante de um repertório. Nem está sendo censurado menos ainda se autocensurando… e o debate pegou fogo a partir de premissas muito inventivas. Está difícil até defender a posição que ele mesmo sustenta no especial da Nara. Enfim, seguimos.

À revelia, porém, do contexto e do próprio Chico, a fagulha do debate visto por ele como absurdo se expandiu em fogaréu, dada à alta temperatura do elenco de bobagens que vêm sendo perpetradas, ditas, escritas, pensadas, em nome das causas identitárias, e que agora ganhou mais um ator, o próprio debate, a que se agarraram os devotos do Santo Pretexto para botar o dedo na cicatriz mal costurada dos ativismos desengonçados.

Talvez – quem sabe – apenas uma pausa no debate nacional de uma nota só, a nota B, que exaure a todos nós. Letra B daquilo que lhes vem primeiro à cabeça, e esqueçam josta, que pra mim é com J, já que meu lado “Com açúcar, com afeto” não gosta de dizer vulgaridades. Pra vocês verem que, até sem pretender a evidência e o posto, Chico faz um bem enorme ao Brasil, em todos os campos, e inspira, mesmo por vias transversas, equivocadas, discussões que desafogam nossos corações, desatam os nós das gargantas, nos fazem sentir inteligentes e guerreiros em outras militâncias, que não sejam apenas puxar a descarga para nos livrarmos do B.

Esgotados os 15 minutos da Teoria de Warhol, o tema murcha em interesse, e despretensiosamente dá samba, que aqui apresento em primeiríssima, música de Gilson Espíndola e letra do jornalista Gilvandro Filho, que concorda com  Chico em tudo, sem por nem tirar.